O Brasil
ultrapassou no sábado, 9, a marca de 10 mil mortos. De acordo com boletim do
Ministério da Saúde, o País tem 10.627 vítimas. E 155.939 casos confirmados. Em
24 horas, o registro de óbitos oficial foi de 730. Para os especialistas, ao
lado da chegada ao limite dos leitos no sistema de saúde e da falha no
oferecimento de testes - trata-se da nação que menos testa entre os oito países
com mais casos -, é o indicativo para ampliar as restrições, sobretudo usando
Lockdown (bloqueio total), como ocorre, por exemplo, em São Luís, no Maranhão.
O País já
está entre as nações com maior número de mortes pela doença, ficando atrás de
Estados Unidos (77.344), ainda epicentro mundial, Reino Unido (31.662), Itália
(30.201), Espanha (26.299) e França (26.233), esses últimos países europeus
castigados pelo vírus. Isso considerando os dados compilados pela Universidade
John Hopkins. O Brasil já havia ultrapassado a China, marco zero da covid-19,
dia 28 de abril.
Já em número
de casos confirmados, ainda de acordo com John Hopkins, o Brasil está na oitava
posição, atrás de EUA (1.286.833), Espanha (222.857), Itália (217.185), Reino
Unido (212.629), Rússia (198.675), França (176.202) e Alemanha (170.643). O
dado oficial apontava no sábado 155.939 infecções, ante 145.238 na véspera.
Ao longo da
semana, o Brasil veio batendo recordes de registros de mortes em 24 horas. Na
sexta-feira, foram 751. Diante desse cenário, especialistas afirmam que o
Lockdown é uma medida necessária para evitar uma explosão ainda maior de casos
em capitais e regiões metropolitanas.
"Vários
Estados têm a demanda dos serviços de saúde no limite e tudo indica que teremos
um forte aumento de casos e de óbitos nas próximas semanas. Este cenário indica
a necessidade de que as autoridades indiquem o Lockdown, medida que deve ser
associada a ações de apoio a populações socialmente vulneráveis", diz o
epidemiologista Eliseu Alves Waldman, professor da Faculdade de Saúde Pública
da USP.
Luciana
Costa, diretora adjunta do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), vai além sobre a possibilidade de eficácia do
bloqueio total.
"O
Lockdown é a única solução neste momento que pode ter alguma eficácia para
controlar a curva epidêmica, que está indo para o descontrole. As medidas de isolamento
social não tiveram adesão da população como deveriam. Isso foi consequência de
informações truncadas e mensagens opostas enviadas por prefeitos e governadores
e o presidente da República", diz ela. "A epidemia pode se expandir
rapidamente diante de mais aglomerações e atividades. Se não for feito nada que
interrompa as novas transmissões, o Brasil pode se tornar o novo epicentro da
pandemia, juntamente com os Estados Unidos", defende a especialista do
Laboratório de Genética e Imunologia das Infecções Virais.
A medida de
quarentena compulsória, em que ficar em casa é uma obrigação e não uma
recomendação, já foi adotada pelo governo do Pará na capital, Belém, e em
outras grandes cidades do Estado desde terça. No Nordeste, Maranhão e Ceará
decretaram medidas similares.
Lição de
casa
O momento
atual se tornou "preocupante" na opinião dos pesquisadores porque o
Brasil não fez a lição de casa. O virologista Flávio Guimarães da Fonseca, que
atua no Centro de Tecnologia de Vacinas (CT Vacinas), afirma que o Brasil
desperdiçou a oportunidade de observar a evolução da pandemia em outros países,
como Itália, Espanha e Reino Unido, que começaram a sofrer antes os efeitos da
pandemia. "A realidade de outros países, até os ocidentais, poderia ser
utilizada como modelo para preparar a população. Isso não foi feito de uma
forma uniforme em todo o Brasil", diz o pesquisador do Departamento de
Microbiologia da UFMG.
No início do
mês de março, a Itália, por exemplo, era o país mais afetado da Europa pela
covid-19. Lá, a primeira morte foi confirmada no dia 21 de fevereiro. Quase
cinco semanas depois, o país já ultrapassava as 10 mil vítimas. A Itália
demorou para responder à emergência e registra mais de 30 mil mortes.
Rafaela
Rosa-Ribeiro, doutora em biologia celular e estrutural, que trabalha atualmente
com um grupo de virologistas no Ospedale San Raffaele em Milão, afirma que está
assistindo ao mesmo filme pela segunda vez. O primeiro foi em solo italiano; o
segundo, no Brasil.
"Parece
um filme que está se repetindo com um roteiro diferente. A Itália subestimou a
doença de certa forma, não por maldade, mas por ignorância. Fomos o primeiro
país atingido fora da China. Depois, o país chegou a ser elogiado pelas medidas
rápidas. No dia 11 de março já estava tudo fechado, com exceção de farmácias e
supermercados. Foram dois meses de Lockdown", diz a cientista brasileira.
"Tenho família no Brasil e estou preocupada. As pessoas não estão
conseguindo entender a gravidade da doença. Na Itália, os cientistas foram
ouvidos", diz. "Entendo que o Brasil é um país muito diferente dos
países europeus. É mais complicado tomar medidas drásticas, por causa da
quantidade de pessoas, condições sanitárias e econômicas. Mas muita gente que pode
ficar em casa e empresas que poderiam deixar funcionários em home office não
estão pensando na doença."
Testes
O
infectologista Antonio Bandeira, diretor da Sociedade Brasileira de
Infectologia (SBI) e professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências Uniftc,
lembra que o Brasil também não se preparou em relação à realização de testes. O
especialista afirma que o Brasil fez 340 mil testes enquanto o número nos
Estados Unidos é de 2 milhões.
Dos oito
países com maior quantidade de casos, o Brasil é o que menos testa. De acordo
com o número de testes por 1 mil habitantes, apresentados nesta sexta-feira
pelo Observatório Covid-BR, os Estados Unidos registram a média de 24,4, a
Espanha, de 28,9, a Itália, 38,3, a Alemanha, 32,8. O índice no Brasil é de
apenas 1,4.
"Os
testes moleculares (PCR) precisam ser expandidos. Isso é fundamental. O teste
permite captar o número de pacientes, ajudar no planejamento de saúde e reduzir
a subnotificação. Com o teste, é possível definir o isolamento domiciliar para
que a pessoa infectada não contamine outros pacientes", explica ele.
Por causa da
falta de testes, Jean Pierre Schatzmann Peron, pesquisador líder da Plataforma
Pasteur/ USP, que desenvolve estudos com foco em anticorpos e imunopatogênese,
calcula que o número de contaminados seja de três a cinco vezes maior no País.
"A gente não consegue testar todo mundo", resume.
Alexandre
Cunha, infectologista do Grupo Sabin e vice-presidente da Sociedade de
Infectologia do Distrito Federal, afirma que a principal preocupação tem de ser
com a velocidade de propagação da doença e não necessariamente com os números
absolutos. "Nos países onde se conseguiu manejar a epidemia sem sobrecarga
do sistema de saúde, a mortalidade foi a esperada. Nos países com situação
hospitalar razoável, mas onde o sistema de saúde entrou em colapso, a
mortalidade foi várias vezes maior do que em países onde o sistema
suportou", argumenta. "Nossa grande preocupação é a velocidade com
que esses casos e a capacidade de absorção do sistema de saúde. No Brasil, a situação
tem de ser analisada em cada município. O que é bom para uma região pode não
ser boa para outra. Cada município vai atingir o pico em momentos
diferentes", diferencia.
Fonte: Estadão Conteúdo