O município
de Cavalcante, no Nordeste de Goiás, é o que tem a maior área com alertas de
desmatamento neste ano no Estado. Em 2019, a localidade foi a 15ª em perda de
vegetação. Os dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), do início do ano até o último dia 21 contabilizam 19 avisos
de devastação que correspondem a 1.140 hectares, o equivalente a
aproximadamente 1.140 campos de futebol.
A área é
maior que a perdida na localidade em todo o ano passado: 1.134 hectares. A
região que representa a última fronteira do Cerrado preservado em Goiás recebe
um duro ataque na semana do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta
sexta-feira (5).
Os dados do
Deter, com informações de satélite, indicam também que 91% da destruição
ocorreram em apenas dois dias. No último dia 31 de março constam cinco alertas
de desmatamento para uma área de 375 hectares. No dia 26 de abril há o registro
de oito avisos referentes a 667 hectares. As datas podem, de acordo com Inpe,
eventualmente sofrer alterações caso a área fique coberta por nuvens, o que
impede momentaneamente a visualização da modificação do solo.
Conforme a
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o
crime ambiental está em propriedades que ainda não foram desapropriadas, mas
dentro do território quilombola, e parte na Área de Proteção Ambiental de Pouso
Alto, sob a gestão do Estado. A devastação de cerca de mil hectares, informou a
Semad, está divida entre duas fazendas.
A área
desmatada fica a cerca de 1h30 de carro, em uma via não pavimentada, já na
divisa entre Goiás e Tocantins. Para chegar ao terreno, é necessário passar por
duas serras. A propriedade rural fica em um platô a cerca de 1,4 mil metros de
altitude, 600 a mais que Cavalcante. Lá estão as nascentes dos rios Corrente,
Correntinha, São Félix e Claro. Um manancial famoso da região, o Rio da Prata,
é vizinho do espaço devastado.
Embora sob
os cuidados do Estado, a área é federal, diz a Semad. O Sítio Histórico e
Patrimônio Cultural Kalunga, onde está parte da área desmatada tem 264 mil
hectares, mas apenas cerca de 60 mil hectares foram titulados. No perímetro
total estão 32 comunidades. A legislação estabelece que interferências no local
devem ser debatidas com os residentes, o que não ocorreu, segundo o presidente
da Associação Quilombo Kalunga, Jorge Moreira de Oliveira.
A área
afetada, de acordo com a comunidade local, tem um importante papel social e
econômico. “É um cerrado que nossos antepassados calungas preservaram há mais
de 300 anos, riquíssimo em fauna e flora com muitos frutos. Estamos perdendo
nossa beleza que faz parte da vida, não só dos calungas, mas de toda a região”,
lamentou Oliveira.
Operação
Andréa
Vulcanis afirmou nesta quinta-feira (4), durante um painel online que integra a
programação da Semana do Meio Ambiente da Semad, que “as primeiras análises” da
pasta indicavam uma devastação “ilegal” de quase mil hectares. Por este motivo,
Andréa deixou o evento virtual e foi de avião acompanhar os trabalhos dos
servidores.
Os dados dos
alertas de desmatamento do Inpe ficam disponíveis na internet. Entretanto, a
secretária afirmou que a Semad ficou sabendo do crime ambiental por meio de
denúncias na última terça-feira (2) e, imediatamente organizou uma operação
para combater a ilegalidade.
Andréa disse
que a Semad não havia sido notificada. “O Inpe faz os levantamentos das imagens
de satélite e tem uma avaliação manual. Há uma equipe que passa os dados de
alertas para os órgãos ambientais, mas isso não é diário.” Em uma das duas
propriedades rurais, segundo a secretária, havia apenas um caseiro que informou
que a área estaria arrendada por uma empresa de mineração.
Agentes da
Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema) integram
o trabalho. A reportagem questionou o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama
sobre o desmatamento, mas não houve resposta.
Grupo
publica manifesto
A comunidade
de Cavalcante se mobilizou por meio das redes sociais assim que tomou
conhecimento do desmatamento no território calunga. Guias locais, calungas e
empresários do turismo acionaram a Semad e também divulgaram a devastação nas
redes sociais. A hashtag #salveoprata, em alusão ao rio da região, tinha mais
de cem compartilhamentos nesta quinta-feira. Um manifesto na internet lançado
nesta quinta-feira já tinha quase 8 mil assinaturas às 19h.
O presidente
do Conselho Municipal de Turismo, Rodrigo Batista Neves, informou ao POPULAR
que organiza, junto a outros atores locais, uma representação que será
encaminhada ao Ministério Público Estadual e ao Federal.
Ele, que
também é empresário da região, lamenta a devastação. “Esta área que foi
derrubada fazia parte de um roteiro turístico. Nós acampávamos, levávamos dois
dias para atravessá-la. As fotos do Instagram da minha empresa terão de ser
apagadas, porque o passeio não existe mais.”
Integrante
de uma comunidade calunga, Edivan dos Santos Moreira estava triste após visitar
o local devastado. “Nossa área é uma das mais preservadas que tem. Então, estar
acontecendo isso é muito triste. Poucas pessoas sabiam do que estava
acontecendo. Por causa da pandemia as pessoas estavam mais resguardadas e lá é
um local de difícil acesso, a informação não chega com facilidade para nós.”
A
preocupação é que o projeto para a área seja o plantio de soja, o que poderia,
segundo os calungas, contaminar os mananciais da região utilizados pelas
comunidades para abastecimento e agricultura.
Fonte: O Popular