Diversas
juristas apontaram ser comum, durante uma audiência, a mulher ser atacada e
ofendida pelo seu comportamento, assim como ocorreu com Mariana, humilhada pelo
advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho.
Para o juiz
Rodrigo Foureaux, da cidade de Cavalcante (GO), o próprio formato tradicional
da maioria das audiências, normalmente com três homens ouvindo a vítima, já
gera um constrangimento para a mulher. Por isso, em uma iniciativa sem
precedentes no país, Foureaux aplicou, no início de novembro, o depoimento
especial, medida prevista para casos com vítimas menores de 18 anos, para ouvir
uma mulher na faixa de 50 anos, estuprada por um desconhecido dentro de sua
casa.
"Ela
precisa narrar como foi estuprada, isso é muito doloroso e íntimo. Por isso,
acredito que um depoimento especial, em que a pessoa fica sozinha em uma sala
com um profissional especializado nesse tipo de tarefa, seja muito mais
benéfico, inclusive, para o andamento do processo e para se comprovar a
veracidade do relato", afirma.
"Cavalcante
tem uma das taxas mais altas de violência sexual no estado de Goiás, por isso
pesquiso muito sobre o tema. Me dei conta de que poderia aplicar [o modelo]
nesse caso proteger a vítima, assim como é feito com crianças e
adolescentes", explica.
"Já
soube de vítima que saiu chorando de audiência"
O objetivo
da aplicação do depoimento especial é não criar mais um abalo psicológico na
vítima, que já está lidando com o trauma gerado pela violência sexual. "A
pessoa que conduz isso tem técnica, sabe as melhores palavras para usar e sabe
como conduzir a conversa de maneira que não revitimize a mulher", explica
o juiz.
Apenas um
profissional que passou por uma capacitação específica para esse cargo é que
escuta diretamente o que a pessoa tem para dizer sobre o crime que sofreu.
Juiz, advogado, promotor e outras autoridades ficam em uma sala diferente,
acompanhando por uma transmissão em tempo real, mas sem interrupção. Se algum deles
quiser fazer uma pergunta, é feita ao profissional, que encontrará a melhor
maneira de trazer à questão.
"Relembrar
um estupro é muito danoso. Às vezes o advogado ou o promotor pode até ter boas
intenções, mas pode fazer a mulher reviver o trauma. E pode gerar um novo
trauma que ela nunca vai esquecer. Já soube de vítimas que saíram de audiências
aos prantos. Isso não pode acontecer", diz Foureaux.
O juiz ainda
explica que a pessoa que colhe o depoimento, além de estar preparada para
tratar a mulher com o cuidado necessário, também vai emitir laudos com suas
impressões, que podem ser favoráveis ou contrárias ao relato. "Ou seja, é
uma atitude que será benéfica para o processo como um todo. Sabemos que a
palavra da vítima tem preponderância nos casos de estupro, mas deve estar
alinhada com outras provas”, afirma.
Outra medida
adotada pelo juiz foi de proibir em qualquer audiência que perguntas sobre o
modo de vida da mulher ou a maneira como ela se veste ou vestia venha à tona em
uma audiência. "São informações que não têm nada a ver com o caso em
si."
Juiz quer
propor projeto de lei sobre o tema
Foureaux
conta que está elaborando o texto de um projeto de lei que pretende apresentar
a parlamentares para instituir o depoimento especial como um direito da vítima
de violência sexual. A minuta é escrita por ele e pelo promotor Rogério
Sanches, do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).
"A
ideia é que o Código Penal seja alterado para que inclua essa possibilidade. Se
a pessoa quiser escolher pelo formato tradicional ou pelo especial, vai ser uma
decisão dela", diz o juiz.
Um projeto
de lei para a criação do Estatuto da Vítima foi apresentado na Câmara dos
Deputados em julho deste ano. Assinado por 34 parlamentares, prevê alterações
na maneira em que são colhidos depoimentos para diferentes tipos de crimes.
Entre os sexuais, garante o direito de a vítima ser ouvida "por pessoa do
mesmo sexo", mas não se aprofunda no assunto.
Fonte: UOL